Somos a Associação de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento Humano - Outro Olhar, fundada em 2008, a partir da ideologia e determinação de diversos profissionais de várias áreas do conhecimento com vasta experiência em projetos ligados ao terceiro setor.

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domingo, 12 de dezembro de 2021

Nhambovy'a Kiringue: Alegria para as crianças

Nhambovy'a Kiringue: Alegria para as crianças, sob esse título fomos desafiadas a organizar uma campanha ação pra presentes, alimentos, brincadeiras para as crianças da tekoa de Palmeirinha do Iguaçu, demandada a partir de uma roda de conversa com mulheres, muitas também mães sob o argumento de 'foi um ano difícil, de poucas alegrias para as crianças, então a gente gostaria de agora no fim do ano, poder dar uma alegria a mais para as crianças'.


Diante desse pedido, claro, não foi possível ficar indiferente. Ainda assim alguns questionamentos e observações surgiram: nome da campanha 'alegria', notadamente as crianças da aldeia expressam facilmente sorrisos, então já há alegria, não precisa ser 'levada' de fora; reflexões vão e vem, até conclusão: um pouco mais de alegria, um dia especial para sorrir, brincar, deliciar; 'Papainoel' é uma criação basicamente comercial, qual sentido? Reflexões vão e vem: bom as crianças da aldeia tem acesso aos meios de comunicação, aos apelos dos comércios locais; sabem que as 'outras crianças' ganham presentes nessa época do ano; então, pode ser uma forma de interação também, de 'apesar de' somos uma sociedade. Então sim: presentes, doces com direito a 'touquinha de mamãe e papai noel'. E divertido foi.

Questionamentos externos: por que doces e presentes e não alimentos? Seria muito mais proveitoso serem 'cestas básicas! Reflexões vão e vem: sim, se pensamos em saciedade: cestas básicas, sem dúvida. No entanto, o pedido foi 'uma alegria para as crianças'; então, temos nós o direito de negar, ou se opor/impor o que nós entendemos como 'mais necessário'? Sorrisos e alegria também alimentam, a alma, a esperança, a vontade de viver. E é época de ter esperança, então sim: doces e presentes!
Além de que, fazer esses encontros nos fazem estar mais próximas da cultura indígena tão importante pra rompermos com as ideologias de morte e de lutarmos contra a política de morte estabelecida.

Dias se passaram, conversas foram feitas, ideias foram sendo 'apuradas' no caldeirão da colaboração e o resultado: no dia 11 de dezembro uma 'Tarde de Alegria' para as crianças da tekoa Palmeirinha do Iguaçu, TI de Mangueirinha, município de Chopinzinho - PR com: brincadeiras (piscina de bolinhas, cama elástica); brechó para as mães com um presentinho extra; ração para cães e gatos; lanche com salgados de festa, frutas [convencionais e agroecológicas] para todos os participantes e os tão esperados presentes e doces! 


Sorrisos, alegria! [para não expor as crianças e mães, mas compartilhando esses sorrisos, fizemos um pequeno mosaico desses sorrisos]


Nossa gratidão a todos que colaboraram com essa ação!

Associação Aty Mirin
Liderança da Tekoa Palmeirinha do Iguaçu
Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia- CAPA Núcleo Verê/FLD 
Coletivo Feminista Cláudia da Silva
Outro Olhar - Associação de Cooperação Técnica para o Desenvolvimento Humano
Escola Estadual Wera Tupã - direção, professores/as, funcionários, terceirizados
Sindicato dos Bancários de Guarapuava e Região
Sindicato dos Servidores Funcionarios Públicos e Professores Municipais de Guarapuava - Sisppmug
E a todos as pessoas que, anonimamente contribuíram com a campanha!
Mais uma vez nossa gratidão e nossos sorrisos!










segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Cerejas, Agroflorestas e Nheminhotỹ Moĩ Porã

 Não exatamente nessa ordem, mas as atividades entre 14 e 15 de outubro permitiram essas práticas e consequentes reflexões contidas no título. Voltando um pouco no tempo, entre 2013 e 2015 foram plantadas muitas árvores nativas e frutíferas exóticas para formar as 'agroflorestas'. Muito marcante pra mim foi que, só em 2015 conseguimos, equipe de trabalho da Outro Olhar e grupos nas Tekoa, entendermos mutuamente o que efetivamente era agrofloresta. A partir da expressão de um participante durante um curso 'ah, então agrofloresta é isso, fazer o que os antigos já faziam, agora que entendi'; o que era novo, não era novo, era revisitar uma prática antiga da Agricultura Guarani; e para nós os jurua, o entendimento de que não eram simples agroflorestas, eram Agroflorestas Guarani, significando que, na técnica da agrofloresta jurua se aplica a técnica e cosmologia Guarani.

Foto: Ara Ju

Em 2021, essas agroflorestas estão nas Tekoa, em diferentes níveis, com diferentes cuidados. Novas variedades, replantios sendo feitos (com mudas nativas a partir da doação do Horto Faxinal do Céu - Copel) e uma deliciosa surpresa foi que, esse período é o período das cerejas estarem maduras. E para nossa alegria, três variedades de cereja nativa estão produzindo, sem recorrer aos nomes técnicos, vamos lá: cereja gordinha, cereja redondinha e cereja gordinha amarela. Lindo de ver, gostoso de comer. Alegria das crianças e dos adultos. Frutos do trabalho e dedicação de cada um que ajudou nessa construção.

Se em 2015 houve essa 'revelação', na sexta feira chuvosa do dia 15 de outubro, arrisco dizer que tivemos outra 'revelação/entendimento'. Há muito falamos em sementes crioulas, depois optamos por chamar de tradicionais ou sagradas; então nada mais justo que aproximar a agricultura Guarani da concepção dos Guardiões de Sementes. Tantas conversas, atividades e, novamente, o chegar ao entendimento do que o jurua quer dizer na sua língua e o que o Guarani entende na sua.

Foto: Ara Ju

Parece tão simples 'Guardião de Sementes', pois, na concepção da expressão jurua talvez; na concepção Guarani havia uma grande diferença, quase um abismo que as palavras criavam. Tento explicar: o entendimento da palavra 'guardião' para o Guarani, não faz sentido para 'sementes'; guardar é um ato isolado, é um ato de 'retirar'; quase antagonizando com cuidado, reprodução. Então, quando se diz Guardião de Sementes, o que vem a mente é tão estranho que, por mais que a ideia fosse explicada já algumas vezes, ela não conseguia ser realizada.

E foi em uma conversa no entorno do fogo, que aquecia na manhã chuvosa, que o entendimento se fez, junto ao grupo Aty Miri da Tekoa Palmeirinha do Iguaçu. Para o Guarani sentido faz ser Nheminhoty Moĩ Porã, que é cuidar das plantas/sementes para que nunca acabem; não é guardar, é manter ela viva; garantir seus ciclos; garantir que a sagrada vida não se perca nela; manter saudável para que sempre possa germinar, de novo, de novo e de novo.

Então que as agroflorestas Guarani possam ser apoio aos Nheminhotỹ Moĩ Porã!


Por: Ara Ju (Sandra König)

Tekoa - aldeia, lugar de vida
Jurua - pessoa não indígena
Nheminhotỹ Moĩ Porã - cuidador e mantenedor das sementes (para que sigam vivas)[interpretação livre]
Foto: Jaqueline

Foto: João Ricardo

Foto: João Ricardo

Foto: Juliana Takua

Foto: Juliana Takua

Foto: Juliana Takua

Foto: Juliana Takua


quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Ka'a Nhemongarai tekoa Monjolinho

 O território é mais do que um lugar para se ter uma casa e explorar a terra para sustentar a vida e o luxo de quem dela se diz 'dono'. Território é lugar de vida, de saúde, de estabelecer moradia, de cuidar da terra, para dela colher bons frutos, é tekoa.

A partir desse entendimento, de construir e reconstruir essas relações surge a tekoa Monjolinho, desmembrada da tekoa Tapixi, deseja trilhar seu 'tape porã' [bom caminho]; e uma das primeiras necessidades é ter sua Opy'i [cara cerimonial Guarani].

Feita com as mãos dos moradores da tekoa, madeiras cortadas na floresta, paredes de pau a pique, roliços outros lascados com machado; telhado provisório; o mais importante porém já acontece desde quando nem as paredes estavam colocadas: as noites de canto!

Opy'i em pé é hora de fazer a Ka'a Nhemongarai [cerimônia de bênção e batismo com erva mate].


Nuvens no céu, depois de algumas semanas de sol e terra seca, a chuva é esperada. E ela chega forte já na sexta feira. A noite na Opy'i é de expectativa de se será possível colher erva mate e sapecar na manhã seguinte.

Durante a noite e madrugada, muita chuva, alguns raios e um pouco de vento. Amanhece o dia com chuvica, as nuvens pesadas dão lugar a outras que quase dão passagem ao sol, o Xamoi [líder espiritual] se apressa com os xondaro kuery [jovens do gênero masculino] para colher e sapecar a erva mate, deixando os ramalhetes prontos, é só aguardar o meio dia para o inicio/sequência da cerimônia.

O céu fecha outra vez, chuva forte, o telhado provisório resiste. A comunidade se reúne, o fogo aquece a água do chimarrão e também os pés que molharam para chegarem ali.

O Xamoi entoa seu canto e o ritual inicia. Cada xondaro pega seu ramalhete, faz a caminhada circular sob o canto do Xamoi que continua forte. Após, depositam, um a um, seu ramalhete no altar junto com suas intenções, nomes de quem está presente e para quem está ausente também. O Xamoi e os xondaro kuery abençoam os ramalhetes com a fumaça dos petygua [cachimbo Guarani] na sagrada comunicação com as divindades.


Essa parte do cerimonial está encerrada, pessoas se sentam em volta do fogo, seguem algumas conversas, risadas, aos poucos cada um vai pra sua casa, porque quando anoitecer, será hora de voltar para a Opy'i e continuar o cerimonial.

Entre rápidos períodos de chuva mais amena transcorreu a tarde, noite chega, chuva que segue e aos poucos a Opy'i volta a se encher de gente. Ao chamado do Xamoi os xondaro e xondaria kuery se posicionam e entoam os lindos mbora'i [cantos sagrados Guarani]. As horas passam, atendimentos são feitos e, com seu canto característico o Xamoi  em consonância com as divindades revela os nomes dos espíritos que estão habitando os corpos. [traduzindo: revela o nome espiritual das crianças, o batismo Guarani dos xondaro].


Amanhã a cerimônia irá continuar. Agora é momento para repor as forças, uma refeição é servida, ali mesmo na Opy'i.

O domingo amanhece, ainda com chuva, durante a noite trovoadas e relâmpagos, a Xaryi explica que é bom que Wera e Tupã se manifestem assim, eles vem para limpar as coisas ruins [divindade do raio e do trovão, respectivamente].

Hoje o protagonismo é das kunha (mulheres) xondaria e xaryi kuery se reúnem na Opy'i,  providenciam a lenha para sapecar/secar os ramalhetes de erva que passaram a noite na Opy'i. Enquanto algumas cuidam do fogo, outras já socam no pilão as folhas mais secas, e essa ação é repetida várias vezes até os ramalhetes de erva mate praticamente desaparecerem. E no recipiente agora descansa a erva mate socada. Cada Xaryi e Xondaria se aproxima, prepara seu 'pote' com a erva mate e ao toque do Xamoi inicia a caminhada para consagrar, lentamente cada 'pote' é depositado sobre o altar com o nome de cada kunha e suas intenções que são recebidas pelo Xamoi. Este as abençoa em seguida as Xaryi e Xondaria kuery.


Mbora'i
são entoados, Xamoi orienta para os que precisam ter seu nome revelado ou sentem que precisam de uma benção especial se assentam mais a frente no banquinho posicionado para tal. Segue um canto solitário do Xamoi, depois passa a ser acompanhado pelos xondaro, xondaria e xaryi kuery; as vezes, a revelação vem rápido, outras demora mais. Nesta tarde, uma das meninas recebeu o nome de Ara Yvoty, em minha livre tradução como ‘flor do dia’, nome que eu, particularmente acho lindo.


Nos comentários e reflexões que seguiram os agradecimentos foram para todos e de todos. Para a comunidade pela participação, por levantar a Opy’i de forma tão rápida e pelo viver de cada noite; pela aproximação das famílias a partir da vivência espiritual, pela dedicação de cada um ao coletivo; para os Xamoi e Xaryi kuery pela tempo e partilha dos conhecimentos e pelas ‘nhe’e porã’ boas palavras. Para as divindades por nos permitirem viver e realizar o que realizamos. Nessa toada, encerrou-se a cerimônia e as pessoas seguem seus caminhos mais fortalecidas e abençoadas.

Aguyjevete!


Relato de Vivência por Ara Ju


Tempo Novo: Ara Pyau


Primavera, ano novo, sim em setembro, quando as plantas brotam depois dos meses de inverno, o sol já esquenta a terra, é tempo de preparar o roçado e lançar as sementes no solo. A vida se renova, começa o ano novo Guarani, a transformação do Ara Yma [tempo velho] em Ara Pyau [tempo novo].

Francisca Jaxuka Benites junto com outras mulheres passaram o ano de 2020 e 2021 até agosto, durante a pandemia da Covid-19 cuidando da área de cultivo comum do grupo: a agrofloresta.

A lida com as plantas, o cuidado com a terra despertaram para o chamado do cuidado maior, do cuidado tradicional. Depois de muitos anos sem realizar a Nhanhoty va’e Nhemongarai [cerimônia da bênção das sementes e plantas], no dia 20 de setembro de 2021 foi realizada novamente por decisão dessas mulheres de raízes, de cultura e de vida.


O Xamoi Honório Benites [líder espiritual] conduziu a cerimônia, as sementes e mudas são trazidas ao espaço sagrado pelas mãos dos que irão cultivá-las, permanecem ali e recebem as bênçãos a partir das orações do Xamoi, da Xaryi e de todos os participantes [xaryi são as mulheres líderes espirituais, anciãs]. Durante a noite os mbora’i [cantos sagrados Guarani] embalam as mentes e as almas, seguidos das palavras do Xamoi e das atividades da Opy'i: cantos, curas, reflexões [opy’i: casa cerimonial Guarani]. 

Quando o sol aparece no horizonte na manhã seguinte, as sementes e plantas juntamente com os plantadores e plantadoras estão abençoados e seguem seu destino de gerar vida, frutos e alimentos.





quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Nossas Culturas, Nossos Territórios, Nossa Luta Comum

Na tarde do dia 25 de setembro mulheres de territórios diferentes, de culturas diferentes se reuniram, presencial e online para uma 'Roda de Conversa'.

Mulheres organizadas em coletivos e também mulheres sem um coletivo específico que dedicam sua vida a trabalhar as causas sociais, a saber: Movimento Jera Rete, Grupo Aty Miri, Coletivo Feminista Cláudia da Silva, Movimento das Mulheres Camponesas e Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia- CAPA Núcleo Verê/FLD.


A poesia de Lunamar Cristina deu o tom do encontro:
Flores Guardiãs
sementes pequenas
sementes que somos
semente não é só feijão e milho
semente é da flor, da alface é de gente
semente é renda e é comida…
semente é uma missão que as mulheres
fazem de forma aguerrida
imagina o que seria da vida
se não fossem as flores
de várias cores
de muitos sabores
imagina o que seria da vida
se não fossem as hortas e os quintais
trazendo comida de verdade
pro campo e pra cidade
imagina o que seria da vida
se não fossem as matas
e os povos que nelas vivem
e toda sabedoria que eles transmitem
há quem, a vida cultiva
há quem ela cuide
há quem veja no viver
a motivação para cada dia
a vida saída da terra
do ventre
a vida saída de tantas mulheres
e de tantas sementes
Mulheres que criam vida
com seus corpos, suas mentes, seus espíritos
que sopram sonhos e canções
que reconhecem o canto dos pássaros
e o mudar das estações
Mulheres guardiãs
sabedoras de como manter
como melhorar
como semear
seus alimentos
Mulheres guardiãs
que conhecem espécies de flores
de ervas, de animais e de tudo que vai no roçado
Mulheres guardiãs
que cultivam na mata, sua comida
suas medicinas, sua ancestralidade

 

Foto: Ara Ju

Na dinâmica da Roda, foram partilhados os gostos, os medos e as alegrias. Para Sandra Ara Ju, mesmo sendo de territórios diferentes, cidade, campo, terra indígena sobressai o ser mulher, o cuidado; de formas diferentes; na cidade o cuidado voltado para o entender, estudar e contribuir para o avanço dos direitos das mulheres e para uma sociedade sustentável; no rural, o cuidado com as plantas, com os direitos, com a vida da família; na aldeia o cuidado com a família, com a comunidade, com as plantas, com a terra, com o viver da cultura.

Floriana Jaxuka diz que se emocionou em perceber que os medos que ela sente, são também os medos de outras mulheres; que sentiu que momentos assim fazem bem; que precisam ter outros. Como é bom ser compreendida e acolhida.

Rafaela, a princípio, chegou tímida, cheia de receios sobre o que compartilhar, timidez essa que logo se transformou em esperança, concretizada em cada palavra e em cada identificação que rolava com as mulheres indígenas e camponesas. Poder se reunir e falar entre mulheres, no meio das árvores, entre crianças brincando, entre os animais sobre sentimentos que não somos permitidas falar no dia a dia por conta das correrias, das atividades, das obrigações é uma forma de cuidado mútuo. Em cada palavra compartilhada era nítido o olhar da outra que por algum momento também se sentiu assim. Somos diversas e isso é maravilhoso!!! Que possamos celebrar a nossa diversidade, as nossas diferenças, que possamos viver nesse mundo possível onde a vida é mais importante que qualquer coisa!

Para mim, Eliane, foi um dia super diferente do "normal" um dia especial. A troca entre mulheres tão "diferentes" mostra que as diferenças quase não existem. Oque mais me marcou foi a questão dos medos e o que eles representam. Um medo que parece tão simples, como o medo do escuro, na verdade é muito mais que isso, na verdade é o maior medo, porque o escuro representa muito, representa tudo...

Foi um dia que guardarei em minhas memórias. Estar entre mulheres, compartilhar sentimentos nos fortalece muito.

Foto: Eliane Gralak

Talita diz que foi uma tarde inspiradora e cheia de emoções, que nos deixou com um gostinho de “quero mais”. Onde nossas diferenças e nossas semelhanças puderam se misturaram em um “compartilhar”. Ao final, combinamos um novo encontro, o qual me deixa empolgada por saber que podemos continuar nossas trocas e ainda podendo somar mais mulheres na roda.

Para Lunamar, camponesa integrante do MMC e assessora técnica do CAPA-Verê, esse momento foi de uma simplicidade e força que só se vê quando mulheres se unem, quando somos capazes de pôr nossa escuta e nossa fala às outras, com respeito de saber que cada história, cada vivência, trará suas dimensões da vida, cada mulher como uma árvore de raízes profundas, se junta com suas semelhantes na busca de manter se viva e triunfante numa sociedade que se esqueceu como é ser natureza. Mulheres de diferentes realidades, mas de sonhos comuns, de medos em comum e de risadas compartilhadas, mulheres que em uma tarde de sábado se juntam para saber que nunca estamos sozinhas quando temos umas às outras.

Para mim, Sandra Marli da Rocha Rodrigues do Movimento de Mulheres Camponesas – MMC, foi um momento de partilha, diálogo, escuta, solidariedade, sororidade e fortalecimento. Vivemos tempos muito difíceis, onde a diversidade de vida está ainda mais ameaçada, e para fazer o enfrentamento e resistência as políticas de morte que o sistema capitalista, patriarcal e racista nos impõe, precisamos nos fortalecer coletivamente, estreitando os laços entre as mulheres do campo, das águas, das florestas e das cidades. E, nesse sentido, a roda de conversa foi uma sementeira com terra fértil onde semeamos as sementes dessa articulação entre as mulheres de vários territórios desse chão paranaense!

Que possamos construir mais espaços para sentir/pensar/construir o esperançar por dias melhores!

Sigamos de mãos dadas fortalecendo a luta em defesa da vida, todos os dias.

E para o encerramento, Sandra Marli apresentou um texto, adaptado por ela de um grupo chamado "magias de bruxa”:

LIBERTO-ME, LIBERTE-SE, LIBERTEMO-NOS!

Eu liberto meus pais do sentimento de que já falharam comigo.

Eu liberto meus filhos e minha filhas da necessidade de trazerem orgulho para mim; que possam escrever seus próprios caminhos de acordo com seus corações, que sussurram o tempo todo em seus ouvidos.

Eu liberto meu parceiro/parceira   da obrigação de me completar. Sou completa, não me falta nada, aprendo com todos os seres o tempo todo. Estou em permanente construção.

Agradeço aos meus avós e antepassados que se reuniram para que hoje eu respire a vida.

Libero-os das falhas do passado e dos desejos que não cumpriram, conscientes de que fizeram o melhor que puderam para resolver suas situações dentro da consciência que tinham naquele momento histórico. Eu os honro, os amo e os reconheço inocentes.

Eu me desnudo diante de seus olhos, por isso eles sabem que eu não escondo nem devo nada além de ser fiel a mim mesmo e à minha própria existência, que caminhando com a sabedoria do coração, estou ciente de que cumpro o meu projeto de vida, livre de lealdades familiares invisíveis e visíveis que possam perturbar minha Paz e Felicidade, que são minhas responsabilidades.

Eu renuncio ao papel de salvadora, de ser aquela que une ou cumpre as expectativas dos outros.

Aprendendo através do AMOR e da minha experiência e existência no mundo, eu abençoo minha essência, minha maneira de expressar, mesmo que alguém possa não me entender.

Eu entendo a mim mesma, porque só eu vivi e experimentei minha história; porque me conheço, sei quem sou, o que eu sinto, o que eu faço e por que faço.

Me respeito e me aprovo. Respeitando a minha individualidade, me fortaleço na coletividade.

Eu honro a Divindade, a espiritualidade em mim e em você, eu honro as diversas expressões de divindades e religiosidades das mulheres do campo, das águas, das florestas, das periferias, do MMC… Somos livres! Sejamos livres!

 

Texto feito à muitas mãos: Eliane Gralak, Floriana Jaxuka Rete Poty Martines, Lunamar Cristina, Rafaela Contessotto, Sandra Marli da Rocha Rodrigues, Sandra König, Talita Slota Kutz

Foto: Eliane Gralak


Veja também:
http://coletivoclaudiadasilva.blogspot.com/

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Impressões e reflexões de um nhemboaty, nhemongeta porã kunhangue reve

Impressões e Reflexões de um belo encontro entre mulheres

Conhecer para compreender e poder somar é a premissa para qualquer colaboração que pretenda ser genuína. O Coletivo Cláudia da Silva, sendo interseccional, procura se aproximar dos diferentes feminismos. E um deles é o feminismo indígena, quase nada conhecido por nós. Surgida a oportunidade, antes mesmo de leitura teóricas, estamos conseguindo realizar atividades com grupos de mulheres indígenas Guarani [Outro Olhar e Coletivo Cláudia da Silva].


No ano de 2020, Outro Olhar e Coletivo Cláudia da Silva, realizaram um mês de publicações com mulheres Guarani das aldeias da Rede Solidária Popyguá, como forma de mostrar e conhecer os rostos e as histórias; por entenderem que há uma invisibilidade estrutural. Junto a essas postagens foram realizadas rodas de conversas e ‘entrevistas’ online, durante todo o mês de setembro; foi lindo de ver, emocionante sentir as emoções decorrentes das lutas, da força, da resistência. E abriu ali uma possibilidade de seguir com as interações.

2021 iniciou ainda sob a pandemia que entra em período agora que a fome bate à porta de muitas famílias. Não é nosso objetivo principal fazer ações emergenciais nessa linha, porém diante da situação, não podemos nos omitir, então, quando possível, estamos arrecadando alimentos, roupas, produtos de higiene, limpeza que são doados para famílias em Guarapuava e algumas aldeias Guarani.

Através do Instituto C&A o Coletivo Cláudia da Silva conseguiu a doação de 80 cestas de alimentos, as quais foram distribuídas entre famílias em Guarapuava e as aldeias de: Monjolinho, Palmeirinha do Iguaçu, Amba Tenonde e Koe Ju Porã.

Seguindo na linha de conhecer um pouco mais as diferentes realidades, integrantes do Coletivo Cláudia da Silva e Outro Olhar organizaram uma atividade com as mulheres da aldeia guarani de Koe Ju Porã, TI Marrecas, município do Turvo. Esse encontro de bom acolhimento, partilhas foi extremamente gratificante.

Na conversa orientada por uma dinâmica, foi possível perceber que, apesar de o modo de viver ser diferente, há 'gostares' semelhantes: gostar de comer comidas preferidas; de ter, estar, conviver com a família e amigos; de ter atividades de lazer no nosso lugar de vida. Assim como os medos tem semelhanças: a situação atual do país; os rumos políticos; a perda de direitos; a violência do Estado e das pessoas; a falta de recursos e a fome. Para além dos medos e dificuldades, algumas alegrias comuns: ter a família próxima; conviver com amigos; ter os alimentos preferidos para comer; poder vivenciar para o fortalecimento da cultura, da língua materna, de ir na Opy’i; compartilhar bons momentos em grupo ou em comunidade.

Partindo dos pontos comuns, motivadas pela vontade latente de poder realizar ações para proporcionar alegria; ajudar a superar os medos e garantir direitos básicos e direitos à vida será realizada uma roda de conversa com outras duas aldeias: Palmeirinha do Iguaçu e Monjolinho, que contará também com representantes do Movimento das Mulheres Camponesas e das participantes do Coletivo Cláudia da Silva para conhecer, aproximar, interagir e construir caminhos conjuntos.

Por Para Katu - Tekoa Koe Ju Porã
Ara Ju - Outro Olhar

OBS:

Rede Solidária Popygua, aldeias participantes: Koe Ju Porã, Rio d’Areia, Palmeirinha do Iguaçu, Limeira, Pinhal, Tapixi, Ocoy, Vya Renda, Guaviraty, Kuaray Guatá Porã.
TI –Terra Indígena
Opy’i – Casa cerimonial Guarani






terça-feira, 24 de agosto de 2021

Mobilização Nacional Luta pela Vida

 Reunidos em Brasília de 22 a 28 de agosto estão 117 povos indígenas, aproximadamente 4mil pessoas de 20 estados diferentes, representando todas as regiões do país e mostrando toda a potência e diversidade dos povos originários na Mobilização Nacional Luta pela Vida!


Nilson Karai Tataendy Florentino nos relata desde o acampamento: Estamos aqui em Brasília, indígenas de todo o Brasil, aqui na Esplanada dos Ministérios do Governo Federal, lutando pelo direito nosso, para garantir nosso futuro, das crianças dos jovens. Estamos contra o PL 490 e contra o Marco Temporal, que no projeto do Governo Federal querem tirar nossos direitos. Amanhã terá o julgamento no STF [do Marco Temporal], se aprovarem essa lei a gente vai perder todos nossos direitos sobre a terra, estamos torcendo e lutando para que não seja aprovada essa lei.


É mais que tempo de a sociedade perceber a importância da luta dos povos originários, fundamentalmente pelo seu direito de existir; e ainda pelos ensinamentos e práticas de se organizar as sociedades com menos impacto no ambiente. Quando olhamos para o mapa ambiental, as TI são os locais mais preservados. Então, além de preservar o modo/direito próprio de se organizar econômica e socialmente, é uma contribuição fundamental para o planeta, entenda-se também seres humanos, manter o direito ao território, ao modo de vida dos povos originários.

Pelo respeito, pela vida dos povos originários e pela vida de todos no planeta, STF diga não ao Marco Temporal!
Aguyjevete!




Nilson Karai Tataendy Florentino
Representante CGY e Rede Solidária Popyguá

Sandra König
Outro Olhar